quarta-feira, novembro 04, 2009

O tempo é nosso amigo

Quem já teve oportunidade de namorar a mesma mulher com intervalo de alguns anos, sabe: as pessoas melhoram. As duas pessoas. O sexo fica mais intenso, as conversas ganham outra densidade, a vida torna-se mais simples e o convívio, mais confortável. Aquilo que na juventude é problema chega ao futuro resolvido. Ou incorporado. É como se as pessoas parassem de ensaiar e se aproximassem, afinal, do seu papel verdadeiro na vida. Relaxam e desfrutam.


Lembro de uma conversa recente, com uma amiga mais jovem, que se queixava de dificuldades no terreno do prazer. As coisas não acontecem com ela de acordo com o moderno manual do orgasmo feliz. O que fazer? Antes, minha resposta automática seria “análise”. Vai lá, discute e paga, com o tempo melhora. Hoje, embora eu acredite em psicanálise, acho que o segredo está na parte final da frase: com o tempo melhora.


O prazer é resultado da experiência repetida e da segurança adquirida. E essas coisas crescem... com o tempo. A psicanálise apressa processos, com sorte inicia transformações que de outra forma não teriam lugar, mas apenas a passagem do tempo, com seu enorme e complexo efeito sobre nós, é realmente capaz de simplificar coisas que na juventude parecem totalmente misteriosas ou inacessíveis. Como sexo e prazer.


Por que falar disso? Porque eu tenho a impressão de que as pessoas, homens e mulheres, estão vendo o tempo sob uma única dimensão: a do envelhecimento. Tempo virou sinônimo de bunda caída, papada e rugas. Tempo traz barriga, careca e Viagra. Tempo só nos enfeia e nos debilita. No fim da linha, nos mata. É o inimigo. Um pesadelo que se mede em tic-tacs do relógio, do qual se foge permanentemente. Mas será mesmo isso?


Acho que não. Assim como o prazer, que cresce com o tempo, outras dimensões fundamentais da existência se tornam melhores à medida que o tempo passa. Sem pensar muito, me lembro de uma, importantíssima: a capacidade de lidar com as pessoas e com as situações. A falta de traquejo social dos jovens é um fardo horrível. Ela produz angústias e equívocos em quantidades astronômicas. Ainda bem que passa.


Outra coisa que melhora com o tempo é a autocrítica. Lembra de ser adolescente e se achar uma droga em TODOS os sentidos: a cara, o corpo, o jeito, a personalidade? Até da família se tem vergonha nessa época. Uma das melhores coisas da vida é deixar para trás esse sentimento agudo de inadequação e começar a gostar de si mesmo, ainda que moderadamente. Eu, por exemplo, gosto mais de mim hoje do que gostava aos 20 anos, embora na época eu me achasse um gênio e hoje tenha uma percepção muito clara das minhas limitações – e dos meus talentos. Acho que acontece assim com boa parte das pessoas.


Gosto de pensar que a gente melhora também no terreno das ideias. A coisa toda vai ficando mais refinada, menos óbvia, verdadeiramente interessante. A gente já viu uma coisa e outra e as leituras e vivências começam finalmente a convergir na direção do entendimento. O mundo parece confuso e incerto, mas ele é assim mesmo. Desaparecem a certeza dogmática e as respostas automáticas. Em algum momento vem um vislumbre de sabedoria que sugere uma compreensão maior das coisas no futuro. Das coisas e das pessoas.


Claro, a esta altura da coluna alguém estará dizendo: bobagem! Aos 20 anos eu era mais bonita, mais esperançosa e a vida era muito mais divertida. Aos 30 eu fazia tudo o que queria. Era assim mesmo? Tenho dúvidas sinceras. Frequentemente eu tenho impressão de que as pessoas fazem uma leitura quantitativa do próprio passado. Eu saia mais, eu transava mais, eu fazia mais coisas. Mais ou melhor?


Eu posso me lembrar de centenas de fins de semanas chatos que eu passei aos 20 e tantos anos e aos 30 e tantos anos cheios de coisas barulhentas para fazer. Inclusive sexo. Dançar bêbado no centro acadêmico até parar no hospital é uma maravilha! Ou não? Tentar comer (mal) todas as garotas do trabalho porque você acabou de se separar e não suporta estar sozinho é genial! Ou não? Como eu disse, tenho dúvidas sinceras.


Por outro lado, tenho certeza de que a vida continua. E que a gente vai tendo experiências únicas e construindo memórias indeléveis, apesar do tic-tac do relógio. A cada par de semanas, ou meses, ou anos, vivemos novos momentos únicos de ternura e de prazer. E eu suponho que eles são ainda mais ternos e mais prazerosos porque nossa cabeça é melhor do que era uns anos atrás. Porque nós sabemos mais. Porque melhoramos.


Um dos problemas que eu percebo ao meu redor – muitas vezes em mim mesmo – é o desejo de congelar a existência. As pessoas repetem comportamentos e perseguem sensações que já deveriam ter ultrapassado. Se um adulto agisse com a espontaneidade das crianças a vida inteira seria percebido como maluco. Se outro exibisse a instabilidade e a raiva dos adolescentes na maturidade também seria tratado como doente. Mas muitos de nós tentamos desesperadamente manter o corpo, as emoções e o comportamento de uma pessoa de 20 anos (embora tenhamos, 30, 40, 50 ou 60) e “todo mundo” acha mais ou menos normal. Mas não é, né? A vida exige renovação de repertório.



Claro, tenho saudades de quando tinha 14 ou 18 anos. Agora mesmo eu fui à cozinha buscar uma lata de cerveja e vi a luz da lua refletida na cerâmica do piso. Faz calor, o verão chegou. Lembro de entrar na casa da minha mãe, na minha casa de adolescente, vendo no céu a lua enorme e sentindo o cheiro adocicado da dama da noite que crescia no quintal. Como esquecer aquela sensação de estar vivo? Mas, dias atrás, fui levar meu filho mais novo à casa da mãe dele, a casa dele. Era noite, fazia calor e pairava na porta da casa um perfume delicioso. “É jasmim?”, eu perguntei. “Não, pai, é dama da noite”, ele respondeu. Vê? Tudo se liga, tudo se combina, tudo se renova. O passado está aqui, a vida continua. E o tempo, de alguma forma, está do nosso lado.
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras.)

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