quarta-feira, outubro 28, 2009

Homens que dizem "não" - ótimo texto

Um manual básico sobre a rejeição masculina

Quando eu era garoto, no início dos anos 70, havia na minha classe da escola um menino magrelo, de cabelos compridos, que tocava piano na igreja protestante que a família dele freqüentava. Uma das meninas da classe era louca por ele, que não dava muita bola para a fã. Teríamos uns 13 anos.

Um sábado, a classe toda foi ao cinema e admiradora, atrevida, sentou-se ao lado do jovem músico. A praxe nessas ocasiões era que ele desse uns beijos desengonçados na garota, qualquer que fosse ela, para deixar claro seu gosto pela coisa. Mas ele declinou. Na saída, diante dos olhos espantados dos amigos, explicou: “Não tive vontade, eu gosto da amiga dela.”

Foi a primeira vez que vi um homem dizer não.

A segunda vez aconteceu anos depois, no colégio, quando um dos meninos mais certinhos da classe aceitou, de forma relutante, acompanhar os bandoleiros da turma em visita ao prostíbulo que havia perto da escola. Era um edifício mambembe, sem elevador, e as prostitutas se exibiam em roupas íntimas na porta dos apartamentos.

No terceiro andar daquele animado mercado de carne, o rapaz sucumbiu: desceu as escadas aos pulos, segurando os óculos no rosto, e voltou para escola. Confessaria, depois, ter ficado “enojado”. As opiniões se dividiram. Uma boa metade dos amigos achou que ele era sensível demais. A outra ficou admirada com a sua integridade. Aos 15 ou 16 anos, quase todos se sentiam incomodados naquele ambiente – mas só ele tivera a coragem de pular fora e dizer isso claramente.

Desde então já se passaram algumas décadas, mas esse assunto não deixou de ser delicado. Como regra geral, homem não recusa sexo. Quando recusa, sente-se na necessidade de dar explicações, como se estivesse fazendo algo errado. Homens não se sentem à vontade para dizer “não”, embora tenham crescido ouvindo NÃO das mulheres. É um direito delas, não nosso.

Se os homens não gostam de dizer não, as mulheres tampouco gostam de ouvir. Acham desconcertante, quase esquisito. Não estão acostumadas. Mesmo as mulheres mais modernas, dessas que abordam o sujeito no balcão do bar, não contam seriamente com a possibilidade de recusa diante de uma sugestão explícita de intimidade. Sobretudo uma mulher sedutora. Quando acontece, ficam frustradas, algumas quase indignadas – principalmente se o sujeito deu para trás depois de uns beijos ou coisa parecida.

Não obstante, recusas masculinas vão se tornando mais comuns, até porque a oferta de sexo é maior. Na minha adolescência a lógica ditava que se deveria agarrar qualquer ocasião, uma vez que não havia muitas. Agora elas se multiplicam. Meninos e meninas podem escolher e o fazem. Mesmo assim os códigos são diferentes para cada um dos sexos – e eu acho que existe incompreensão mútua em torno deles.

Como eu não sei explicar por que as mulheres agem como agem, vou falar um pouco do que eu sei melhor: as razões que levam homens a dizer “não” às mulheres. Talvez isso ajude a desfazer alguns mitos.

Vamos lá:

A primeira razão de recusa, por incrível que pareça, é que homens, ao contrário da lenda, têm sentimentos. Um homem triste, por exemplo, que acabou de levar um pé na bunda, pode não querer transar. Isso existe, senhoritas. Já vi amigos deixarem passar oportunidades sexuais interessantes por estarem chateados. Ou deprimidos, o que está se tornando tristemente comum. A libido masculina, apesar da mitologia, não é uma faca de mola que se arma com o aperto de um botão. Às vezes o desejo dos homens foge para o mesmo lugar misterioso em que o desejo das mulheres se esconde, e pelas mesmas razões subjetivas. Enfim, homens não são máquinas de transar, ainda que muitos de nós tenhamos dificuldade em aceitar essa ideia.

Outro tipo de “não” relativamente comum, apesar de certa descrença feminina, vem de homens apaixonados por outra mulher. É claro que o sujeito pode estar apaixonado e, ainda assim, estar disposto a experimentar. Mas é mais comum, na minha experiência, que o sujeito emocionalmente envolvido estabeleça uma espécie de quarentena em relação a outras mulheres. Pode durar semanas, meses ou anos. O prazo depende do sujeito e depende da paixão, mas acontece.

Homens casados são outros que, frequentemente, se fingem de morto diante das insinuações femininas. Talvez tenham vontade, mas antecipam que, depois de feito, não se sentirão bem. Ou mesmo durante. Homens sentem culpa, embora não sejam famosos por esse sentimento. Eles também sentem medo, o que ajuda a evitar aventuras sexuais fora de casa. Sobretudo com mulheres casadas. Esse não é um sentimento nobre, mas tem seu papel na manutenção da paz doméstica.

Logo, se o sujeito não está casado, deprimido ou apaixonado, jamais vai negar fogo? Não é assim. Existem também as inseguranças, as questões gerais de química e afinidade e, por fim, aquilo que eu chamo de vírgula invisível. Vamos por partes.

Inseguranças são uma constante na vida masculina. As mulheres às vezes são recusadas por serem bonitas ou exuberantes em excesso. Aquilo que na gíria masculina é chamada de “mulher demais pro meu caminhãozinho”. Isso acontece o tempo todo. O sujeito é muito tímido, tem (ou está com) baixa autoestima e não sabe o que fazer com aquele mulherão. No fundo, ele acha que não merece. Tem medo de não dar conta e prefere se esquivar. É o fantasma da broxada que assombra a vida dos homens de uma forma que as mulheres nunca entenderão perfeitamente. Logo, há certa verdade na presunção feminina de ser “boa demais” para um determinado sujeito. Às vezes são mesmo.

Outra coisa que as mulheres deveriam entender, nesse mesmo capítulo da insegurança, é que boa parte dos homens não gosta de se sentir pressionado. Se algumas mulheres se excitam com a condição de presa acuada, conheço poucos sujeitos que crescem nessa situação. Se o rapaz já está dando sinais de hesitação, abrir o terceiro botão da blusa, tornar a coisa ainda mais explícita, pode piorar bastante a situação. Faça o contrário: dê espaço, ajude o sujeito a ficar confortável, tente fazer com que ele se sinta seguro. A mensagem subliminar deveria ser: não há risco de vexame. É assim que vem à tona aquilo que John Maynard Keynes chamou, em outro contexto, de “espírito animal”.

Quando eu era menino, na Penha paulistana, havia, perto da casa de um amigo, a menina mais dadivosa da redondeza. Teria uns 16 anos, era gorda, alta e bonita e adorava (ou fingia adorar...) iniciar garotinhos entrando na adolescência. Com um grave porém: ela avisava aos candidatos que se as coisas não fossem direito no quarto ela iria contar para todo mundo... Essa esfinge felliniana, de cujo nome eu providencialmente me esqueci, é a metáfora perfeita daquilo que apavora os homens: a ameaça de violação da sua intimidade. Não conheço um único sujeito que goste de ir para a cama com uma mulher fofoqueira. É assustador.

Química ou afinidade é outra exigência subestimada da atividade sexual masculina. Às vezes não rola. A mulher pode ser atirada demais ou tímida demais. Burra demais ou esperta demais. Muito alta ou muito baixa. Muito doce ou muito amarga. Não há regras fixas. Cada um tem suas taras e suas travas. E tampouco é uma questão meramente estética: a mulher que um sujeito acha irresistível pode não comover o cara ao lado. Não se trata, também, de gostar ou não gostar. As mulheres nos ensinaram, desde sempre, que é possível gostar muito de alguém sem ter vontade de fazer sexo. Quem de nós, homens, não tem aquela amiga fantástica que já deixou claro, umas 300 vezes, que deseja ser apenas amiga, apesar de incansável argumentação em contrário? Acontece com a gente também, oras. Carinho, admiração e ausência de... desejo.

Homens jovens, assim como mulheres jovens, não têm essas coisas claras. Confundem categorias com mais frequência. Você gosta do jeito da pessoa, ela se insinua e você vai – para descobrir que não deveria ter ido. Todo mundo faz isso, mas as tentativas e os erros, acumulados ao longo do tempo, ensinam. Os sinais vão ficando mais claros. Por exemplo: o beijo. Eu acredito que beijar continua sendo a melhor antecipação do que vem depois. Se o beijo não excita, não comove ou não mobiliza, pare. Deve ser a pessoa errada ou a hora errada.

Por fim, a vírgula invisível. Ela talvez tenha sido a minha grande descoberta existencial. Percebê-la pressupõe certa dose de modéstia e humildade – e pressupõe, também, entender a gentileza do outro. Às vezes a pessoa diz assim: eu não quero namorar. A vírgula invisível esta lá, escondendo o resto da frase: com você. Eu não estou com vontade de transar (,com você). Eu não quero dormir tarde (,com você). Eu não quero enganar o fulano (,com você). E por aí vai. Vocês entenderam.

Mulheres, por serem mais gentis, usam a vírgula invisível com mais freqüência. Mas os homens também fazem isso. Eles também dizem coisas gentis e meio complicadas quando simplesmente não estão a fim. Quando mudaram de ideia no meio do caminho (algo que as mulheres conhecem bem). É humano. Assim como é humano tentar atenuar no outro o sentimento de rejeição. Mas as sutilezas não devem nos impedir de perceber a verdade e lidar com ela. Nós, homens, enfrentamos a rejeição sexual desde muito jovens e de uma forma muito freqüente. E sobrevivemos a ela. Agora que as mulheres também podem tomar a iniciativa, e o fazem com segurança cada vez maior, também vão deparar com o “não” - às vezes depois de um longo jogo de sedução. É frustrante, pode ser embaraçoso para os dois lados, mas faz parte. E sabidamente não mata.

(Ivan Martins escreve às quartas-feiras.)

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