Andei lendo por aí sobre os druidas e acabei encontrando este texto sobre desmistificação dos druidas.
O
objetivo deste artigo é relacionar e esclarecer algumas afirmações
infundadas que têm sido difundidas erroneamente sobre os celtas e os
druidas. Com o crescente interesse que essa cultura vem despertando nos
dias de hoje, vemos inúmeros livros sobre neo-paganismo, como também
artigos em revistas e sites na internet, citando os celtas e os druidas.
Os autores de alguns desses livros e artigos certamente não tiveram
adequada assessoria ou simplesmente buscaram fontes não confiáveis sobre
do assunto, pois muitas das informações são erros sérios sobre os
celtas, que acabaram por perpetuar ideias absurdas.
Alguns mitos modernos que
surgiram a respeito dos celtas se devem à publicação do livro de
fantasia As Brumas de Avalon (de Marion Zimmer Bradley), romance genial e
envolvente, mas que poucas verdades traz sobre os celtas, tendo a
autora optado por romancear as informações e usado de bastante licença
poética, o que é desejável em um romance de ficção. Não serve, no
entanto, como base para estudos sobre os celtas e sua religião, o
druidismo.
Todas as informações aqui
contidas (como em todo o resto deste site), vale lembrar, são fruto de
pesquisas em fontes primárias, acadêmicas e arqueológicas. Não buscamos
informações na literatura esotérica, mas na História, e nos registros
que os celtas nos deixaram através de suas lendas e mitos. A seguir,
relaciono os principais pontos de dúvidas e erros:
Mito: Os druidas não eram celtas:
dissociar os celtas dos druidas é o mesmo que dissociar os pajés dos
índios nativos de nossas terras. Ou, grosso modo, dissociar os padres do
catolicismo. Os druidas eram a classe sacerdotal da sociedade celta,
eram professores, médicos, juízes, advinhos e conselheiros dos reis e
rainhas. Sabemos que nem todas as tribos celtas possuíam um druida ou
seguiam o druidismo como religião, mas certamente as tribos da maioria
do mundo celta – me refiro aqui à Gália, Grã-Bretanha e Irlanda – tinham
um druida como conselheiro, médico, juiz e sacerdote e, como religião,
professavam o druidismo.
Hoje em dia, no entanto, os
modernos druidas não possuem necessariamente etnia celta, da mesma
forma que não é necessário ser hebreu para seguir o judaísmo ou
cristianismo, e nem hindu para seguir o budismo.
Mito: Os druidas construíram Stonehenge:
o famoso megalítico data de 2000 ac, portanto, foi construído muito
tempo antes dos celtas chegarem às Ilhas Britânicas: isso só ocorreu
por volta de 700 ac. Essa informação é recente em termos históricos,
pois até antes da datação por caborno 14, atribuía-se aos druidas a
construção desse círculo de pedras. No entanto, não existe a menor
chance dele ser um monumento druida, ainda que podemos deduzir que os
druidas realizavam cerimônias em Stonehenge ao descobrirem seu
alinhamento com o nascer do sol no solstício de inverno.
Mito: Allan Kardec era um druida:
esse é um equívoco muito comum que freqüentemente associa o espiritismo
cristão ao druidismo. Não existe, porém, nenhuma relação entre essas
duas correntes religiosas. Ao codificar o espiritismo, Denizard Hypolyte
Leon Rivail (nome verdadeiro de Kardec) decidiu adotar o nome Allan
Kardec para permanecer no anonimato, uma vez que ele era um conhecido
professor/filósofo. Um dos espíritos que estaria passando as informações
sobre a doutrina a Denizard, teria lhe aconselhado a usar esse
pseudônimo, pois Allan Kardec teria sido uma de suas reencarnações como
um sacerdote druida, na Gália pré-romana. Portanto, Denizard/Allan
Kardec nunca foi um druida em seu tempo, mas afirmava ter sido um druida
em uma de suas encarnações.
Vale sempre lembrar aqui
que os celtas não eram reencarnacionistas do mesmo modo que são os
espíritas. Para os celtas, a alma era imortal e podia viver muitas
vidas, sim, mas não havia o conceito de carma, recompensas ou punições
como no espiritismo cristão. Para os celtas não havia um julgamento e
nem uma ênfase na necessidade de fazer reparações ao reencarnar. A
ênfase era em passar por novas experiências e o impulso da alma não era o
dever imposto por um carma, mas sim o desejo e a necessidade natural de
reviver até entrar em sintonia com o mundo dos deuses - lugar perfeito
em si. (ver mais sobre o assunto em "A visão do renascimento no
druidismo" e "Depois da morte", no tópico "Druidismo".)
Mito: Os celtas eram matriarcais e cultuavam uma deusa única:
esse também é um erro muito comum e muito observado em livros sobre
wicca, a religião criada por Gerald Gardner. Gardner, membro a AOD
(Ancient Order of Druids), criou a Wicca baseado em informações
apresentadas a ele por seu amigo Ross Nichols (criador da OBOD – ordem
druídica muito ativa até os dias de hoje) e também baseado em elementos
da maçonaria, bruxaria tradicional e nos trabalhos de Margareth Murray
sobre a suposta religião paleolítica que dominava toda a europa e tinha
como principal divindade uma Deusa-Mãe. Essa mistura toda resultou numa
religião interessante e atraente para nossos dias, mas também gerou
muita confusão, pois insinua que os celtas adoravam uma Deusa-Mãe (idéia
utilizada no romance “As Brumas de Avalon”), o que nunca foi verdade.
Os celtas eram politeístas,
isto é, tinham inúmeros deuses e deusas em seu panteão, com a
peculiaridade de que nenhum deles e nenhuma delas era um deus-pai ou uma
deusa-mãe absolutos, como acontece entre os gregos, por exemplo, onde
Zeus era o deus dos deuses e Hera a deusa das deusas. Os deuses celtas
eram tribais e associados ao lar, ao clã, ao local – a paisagem. Não
havia uma Deusa-Mãe no panteão de nenhuma tribo celta. Aliás, as deusas
celtas desempenhavam em sua maioria o papel de guerreiras ou esposas
indomáveis e/ou independentes, que não se submetiam aos maridos, tinham
seus amantes e levavam sua vida em liberdade. A Deusa-Mãe da wicca é a
Natureza personificada, no panteão celta nenhuma deusa representava a
Natureza como um todo, mas aspectos isolados dela e da paisagem a ela
atribuída.
A sociedade celta não era
matriarcal, isso seria absolutamente inviável para uma sociedade
guerreira como a deles. Quando muito, podemos dizer que eram
matrilineares, isto é, os filhos recebiam o sobrenome da mãe em vez do
sobrenome do pai. Mas poucas tribos adotavam esse processo e, em geral,
quem recebia o nome da mãe eram as mulheres apenas.
Mito: Somente as mulheres celtas exerciam o sacerdócio: informação provavelmente interpretada do romance citado “As Brumas de Avalon”, onde as personagens que seguem a assim chamada Antiga Religião (relacionada aos celtas, mas equivocada – a religião dos celtas era o druidismo) eram sacerdotisas da Grande Deusa. Embora Marion tenha citado os druidas e o Merlin como sacerdotes da Deusa única, ela dá total ênfase às sacerdotisas, o que levou alguns a entenderem que o povo celta dava exclusividade de sacerdócio às mulheres. Sabemos, no entanto, que a classe sacerdotal dos celtas era composta por druidas e druidesas, embora alguns autores também digam que eram apenas os homens que podiam exercer essa função – autores estes equivocados, mas certamente influenciados pelo mesodruidismo (ver texto sobre o tema), que era machista/patriarcal como a sociedade da época em que existiu, séculos 18 e 19. São todos unânimes, porém, em negar que somente as mulheres celtas exerciam o sacerdócio. E nenhum deles, nem druidas, nem druidesas, eram sacerdotes da Grande Deusa. Eles eram sacerdotes de seu povo.
Mito: Os druidas eram monoteístas: outro erro absurdo que provavelmente se origina nos equívocos difundidos pelo mesodruidismo. Se houve ou há algum druida monoteísta, certamente ele nasceu depois do século 19 e esteve ou está professando a religião de forma equivocada, influenciado pelo poder do cristianismo. Os druidas clássicos pré-cristãos eram politeístas e, como todo sacerdote pagão, veneravam os espíritos da Natureza, deuses tribais, deuses da paisagem e os ancestrais. O druidismo moderno é igualmente politeísta, pois se baseia nas crenças dos druidas clássicos e não nos druidas do renascimento do século 19.
Mito: Os druidas vieram da Atlântida: não. Mesmo que Atlântica existisse, os druidas não teriam vindo de lá. Embora na mitologia celta existam inúmeras lendas sobre ilhas míticas, os druidas nunca são originários dessas ilhas. Entre essas inúmeras ilhas, inclusive, não há nenhuma que tenha uma semelhança sequer com Atlântida. As ilhas dos mitos celtas são lugares para onde os heróis se dirigem sob o encantamento de algum ser mágico ou então em alguma missão em busca das terras imortais. Os celtas nunca vêm das ilhas, mas vão para elas. Essas ilhas são associadas ao Outro Mundo, à terra da juventude eterna, à terra dos ancestrais, ao local para onde as almas vão depois da morte, onde viverão uma vida perfeita e imortal ao lado dos antepassados e dos deuses.
O druidismo surgiu quando
os celtas chegaram nas ilhas britânicas e lá travaram contato com a
espiritualidade dos povos neolíticos que habitavam a região. Essa
mistura da espiritualidade celta com a desses povos originou a religião
dos celtas que conhecemos como druidismo, e esta migrou de volta ao
continente, levando o druidismo para a Gália. Alguns autores chamam a
religião dos neolíticos de proto-druida, mas a Atlântida está certamente
fora de questão. É certo que o surgimento do druidismo é uma mescla da
espiritualidade celta (de origem indo-européia) com a dos povos do oeste
europeu. Os celtas vieram do coração da europa, onde hoje é a Hungria,
Rep. Tcheca, Suíça. Os povos neolíticos construtores de estruturas
megalíticas do oeste europeu já estavam por lá havia algum tempo quando
da chegada das primeiras levas de tribos celtas. Do contato entre esses
povos surge o druidismo clássico.
Andréa Guimarães
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