A Noite do Vidro Quebrado
Fritz Voll
A noite do 9 de novembro de 1938 deixou impressões profundas na minha memória. Tinha oito anos de idade, e era a primeira vez que vi uma casa em chamas. Era também a primeira vez que conscientemente senti a discrepância entre uma propaganda nazista confortante e positiva que ouvimos e lemos cada dia e uma realidade muito sórdida, uma realidade de morte e destruição que desembrulharia bem abertamente.
Naquela noite acordamos para barulhos altos na nossa estreita rua de mão-única, a Rua Georg Buschholz em Answalde, Alemanha, e vi a sinagoga, diagonalmente da nossa casa, em chamas. Realmente nunca noticiáramos que o prédio era uma sinagoga, embora fossemos pelo menos três vezes por semana à sala de assembléia da Igreja justamente a frente da sinagoga. Talvez os adultos sabiam, mas certamente não falavam sobre isso a nós crianças. É que a sinagoga tenha de queimar para ser percebida como o lugar da veneração e aprender judaicos?
Quando fomos para fora, vimos muita gente olhando o fogo. O prédio estava anexado a outros prédios numa fileira de pequenas casas. No tempo em que a sinagoga estava em chamas, os homens da SA [Sturmabteilung = Destacamento de Assalto], que a tinham tochado, já desapareceram. No entanto, as pessoas na rua sabiam que o fog tinha sido posto deliberadamente. Ouvi como os meus pais e outros estavam desconcertados sobre o fato de que o departamento de fogo somente tivera protegido os prédios ao redor e permitiram que o fogo destruíra completamente a sinagoga.
Ouvi também dos meus pais que a sinagoga tivesse sido torchada como ato de violência contra os judeus. Ouvi-os por acaso sussurrando um ao outro que a perseguição dos judeus estivesse somente o começo. Próximos na linha seriam os cristãos “verdadeiros”. Os meus pais eram evangelicais com propensão pentecostal, crendo que somente “crentes renascidos” seriam cristãos verdadeiros. Pessoas nas Igrejas de estado eram consideradas serem cristãos somente pelo nome. Mais tarde, ouvi rumores de palavras de código para o direito de queimar sinagogas e muitas moradias e serviços, “Reichskristallnacht” [Noite de Cristais do Império] (em inglês Night of the Broken Glasses [Noite de Vidros Quebrados]). Nessa conexão, os meus pais mencionaram outra palavra códice para ações violentas a chegar contra cristãos: “Reichssternennacht” (Noite das Estrelas). Nunca estive capaz a acertar, se os nazistas planejaram realmente um evento tal.
Até o tochar da sinagoga não estivera percebendo que havia ainda judeus no redor no nosso tempo. Na escola de domingo e na igreja fomos somente ensinados sobre os judeus do assim chamado Antigo Testamento e sobre aqueles que eram supostamente responsáveis pela morte de Jesus e dos seguidores deste.
Meu pai tinha a sua própria loja de construtor de carruagem na cidade de Arnswalde, Pomerânia, onde ele construía – entre outras coisas – carros de gado e cavalo. Depois da guerra perguntei os meus pais se o meu pai não conhecia algum freguês judaico, comerciante de gado ou cavalo que precisava carros? É que os meus pais conheciam um único judeu? Nunca recebi uma resposta direta. Era somente no fim da década dos setenta que ouvi uma vez me pai dizer pesarosamente: “Porque não salvamos uma única vida judaica?”
Muitas vezes depois dessa noite memorável e terrível, perambulei pela sinagoga destruída pelo fogo e folheei pelos livros tochados com as letras hebraicas. É que perguntei uma vez em casa pelo seu significado? Os meus pais teriam sabido algo sobre a sinagoga e o significado desta para o Judaísmo, se os tivesse perguntado? Porque nós, como crianças cristãs, nunca aprendemos coisa alguma sobre o Judaísmo do nosso próprio tempo? Afinal, não ouvimos cada manhã de domingo sobre judeus e sermões e histórias de crianças e na escola de domingo. Mas de que espécie de judeus ouvimos: fariseus que estavam opostos a Jesus e os quais ele confrontava respondendo com palavras ásperas, saduceus e sacerdotes que o entregaram aos romanos para crucificação. Nunca uma palavra sobre o fato de Jesus mesmo era e permanece judeu, que o Senhor de Igreja ressurgido é judeu, que ele mesmo está suposto de ter dito “salvação vem dos judeus” (tempo presente!) João 4,22.
Aqui tenho de inserir uma experiência do passado mais recente – em 1984, estava trabalhando para o Conselho Canadense de Cristãos e Judeus, quando fui pedido para falar na inauguração duma sinagoga ortodoxa recém-construída. O incidente chamado de Keegstra Affair tivera havido justamente todos os dias nos papeis. O sr. Keegstra, professor de escola secundária, tivera, incontestado por quatorze anos, ensinado aos seus estudantes que os judeus conspiram para derrubar os governos do mundo, e que o Holocausto era uma invenção judaica. Fizera o meu melhor para efetuar um diálogo cristão-judaico na nossa cidade, onde tivemos mais que cem sobreviventes judaicos do Holocausto e muitos que sobreviveram os campos. O jovem rábi da sinagoga ortodoxa era um bom amigo meu, engajando-se ativamente em diálogos na universidade e alhures na cidade. Representantes do governo, o prefeito da cidade de cerca de 700.000 e representantes das escolas e associações judaicas de mais que 300 congregações cristãs na cidade estavam presentes.
Quando era a minha vez de falar, relacionei a história da sinagoga em chamas em Arnswalde. Descrevi os sentimentos esmagadores de gratidão que experimentei no momento. Deus me permitira a testemunhar a consagração duma sinagoga nova – na minha experiência subjetiva construída sobre as ruínas da sinagoga da minha memória. “Os alemães não conseguiram concluir a ‘Solução Final’ dos nazistas. Na face de de dois milênios de anti-judaísmo e anti-semitismo em países cristãos, outra schul [escola] está sendo erigida. Sinal da hutspáh, fidelidade e esperança, convite a cristãos a finalmente encontrarem o seu irmão mais idoso. A tudo isso, todos nós aqui presentes estamos sendo testemunhas,” concluí. O aplauso fulminante que seguiu às minhas breves observações me deixou espantado e numa mistura de dor e alegria. Dor, porque a nova sinagoga construída num país livre nunca poderá reparar uma que foi destruída, e uma congregação judaica lutando pode ser somente uma lembrança fraca das comunidades judaicas na Europa que foram brutalmente destruídas.
Mas então havia também uma alegria. O rábi me abraçou, e o aplauso continuando parecia expressar que um espírito de gratidão no fato de que nada neste mundo está capaz de destruir o que Deus quer e ama.
Nesses momentos senti, pela primeira vez na minha vida, que seria bom ser alemão, se justamente para a chance de despachar essa pequena mensagem ao povo judaico que sofrera tanto no nome e pelas mãos de alemães. Quando pensar sobre as histórias que ouvi de sobreviventes judaicos, surpreendo-me como possa sobreviver como cristão, como a Cristandade possa sobreviver, se não se arrepender do seu anti-judaísmo antigo.
No 50º aniversária da Kristallnacht, em novembro de 1988, foi pedido por estudantes judaicos da universidade da nossa cidade para participar numa discussão de painel sobre os eventos da Kristallnacht e de responder a questões. As questões polidas mas investigadoras das gerações mais jovens de judeus podem agora, cinqüenta anos depois do Holocausto, ser respondidas com alguma precisão histórica e distância objetiva. Mas o quê sobre as questões subjacentes: onde estavam os cristãos da Alemanha? Só muito poucos pelo menos oravam pelos judeus. Durante a minha infância, Durante toda a minha infância nunca ouvi uma única oração pelo povo judaico nas igrejas evangélicas que atendemos. Não os vimos primeiro nas nossas ruas com as suas estrelas amarelas na sua roupa, então as colunas de prisioneiros emaciados trabalhando em estradas de ferro e outros projetos danificados pela guerra? E quando os não mais vimos porque foram enviados às suas mortes nos campos, porque não noticiamos? Onde eram os cristãos “verdadeiros”, aqueles “nascidos outra vez”, e aqueles que não caíram na armadilha dos “de-judaizados”, dos assim chamados “cristãos alemães”?
E onde Deus estava? Deus estava em Auschwitz, onde Jesus estava? Se os concílios primitivos da Igreja e os seus credos estavam certos de que Jesus Cristo é o Deus-homem, a pessoa suscitada com duas naturezas, essa natureza humana não seria judaica? Queria dizer que não só era judeu mas que cristãos confessam o Cristo suscitado como sendo judeu à mão direito de Deus hoje e somente como tal o representante da humanidade perante de Deus? “O que fizestes ao último dos meus irmãos (o povo judaico) é que fizestes a mim.” Jesus está suposto de ter dito. Mas muitos cristãos ainda continuam culpar os judeus por tê-lo matado. Não deveríamos admitir, em vez disso, que Jesus está sendo abusado em cada judeu mal-tratado? Essas são questões que pondero como pessoa leiga sem receber mais que respostas de meio-coração daqueles que o deveriam saber.
As congregações evangelicais em que cresci mais certamente não estavam alinhadas com o estado como as Igrejas protestantes estavam, retamente desde o seu começo na Reforma. No entanto, apesar da sua atitude negativa referente ao estado, as Igrejas de estado, não eram nada menos anti-judaicas. Cada indivíduo tinha de esforçar-se para conseguir um relacionamento pessoal com Deus e apanhar para a sua própria salvação. Mas nessa luta, só Deus será o vencedor, não o crente, mas somente fé chegou a ser o equivalente de obediência, uma obediência que não tinha permissão de questionar Deus ou o estado. Quando alguém chegara a ser um crente, a luta terminou, remanesceu somente submissão à vontade de Deus, a qual se expressava em graça através da Igreja e no julgamento através do estado. O ensino luterano dos dois reinos via o estado como a mão esquerda julgante de Deus, enquanto a Igreja era vista como a graciosa mão direita de Deus. Fé tinha de aceitar esses dois lados do regime divino sem questionar.
Para Lutero, uma revolta ao estado teria sido impensável, até um pecado grave contra Deus. Lutero se virou fortemente contra a revolta de camponeses em 1525, embora também condenou os príncipes, contra os quais os camponeses protestavam, com completamente corruptos. Lutero disse que um cristão possa ser um carrasco expressando a raiva judicial de Deus sobre criminais na sociedade e, ao mesmo tempo, pessoa amante e perdoante na sua vida privada (Paul Althaus: Die Ethik Martin Luthers [A Ética de Martinho Lutero]). Essas duas esferas do mundo tinham de complementar uma a outra.
Em diálogo com judeus, descobri que no Judaísmo ficava sempre uma luta confiante com Deus e um questionar das escrituras e toda autoridade no relato bíblico da luta de Jacó é Jacó que emerge como o vencedor, não Deus. “Fostes forte contra Deus e contra homens e prevaleceste” (Gênesis 32:24-32).
Para mais que 1900 anos, a Cristandade retratou o Judaísmo como legalista e diametralmente oposto à teologia do evangelho cristão. A teologia cristã tinha, desde o século segundo, descrito os judeus como anticristãos, espiritualmente cegados, e teologicamente irrelevantes. Embora os nazistas tinham as suas próprias razões para matar os judeus, certamente aceitaram a imagem cristã de Judaísmo e do povo judaico. Cristãos em geral e especialmente cometidos crentes, (isso é aqueles que tinham um entendimento mais profundo do ensino cristão) eram paralisados durante o Holocausto pela sua própria teologia e não estavam capazes de se levantar contra um estado assassino.
Depois da guerra, li magazines pietistas, baptistas e pentecostais do tempo nazista artigos escritos por líderes desses movimentos, que exortaram os crentes para serem fiéis ao estado alemão e à liderança deste “em tempos duros como este”. Baseavam as suas exortações em referências bíblicas muito semelhantemente a líderes da Igreja luterana o faziam, principalmente em Romanos 13,1 ss., embora nunca foram tão longe como os assim chamados “cristãos alemães” {Deutsche Christen}na glorificação de Hitler e do sistema nazista.
A Igreja pentecostal alemã que os meus pais atendiam com nós crianças era um rebento do movimento de santidade da Inglaterra. O artigo seguinte da constituição dessa Igreja é revisão que foi feita em consentimento com as leis de Nuremberga de 1936, as quais tratavam da eutanásia de vida ‘indigna’, esterilização e pessoas com doenças hereditárias severas e à eliminação de judeus da Alemanha. Essa revisão entrou em efeito em 13 de outubro de 1938, só 27 dias antes da Kristallnacht. Embora igrejas evangelicais aceitem o regime de Hitler como divinamente ordenado, estão muito relutantes para admitir a sua culpabilidade.
Artigo 7
Atitude da Igreja Referente ao Povo (Volk) e o Estado (Reich
Com agradecimento a Deus confessamos que somos, de acordo a Sua providência, membros do povo alemão. A dependência em Deus e a mente de Jesus Cristo nos capacitam para estar com o nosso povo (Volk) com corpo e vida, com possessões e sangue. O suporte energético de todos os esforços públicos do sistema de bem-estar do povo é para nós o dever da nossa consciência cristã.
Honramos e aceitamos a liderança e governo da nação. Em sinceridade prometemos toda lealdade e qualquer obediência, que estamos obrigados a render junto com todos os cristãos à nossas autoridades terrestres de acordo com a vontade de Deus e a palavra e o espírito do nosso Senhor, Maços 12,17; Romanos 13,1-7, 1Tm2,1-4, 1Pedro 2,13-17.
Reconhecemos que está em observância com a ordem do divino Criador, quando a liderança do povo em sabedoria e retidão emite leis e regimentos, as quais estão apropriados a formar um dique contra doenças herdadas incuráveis e contra a miséria resultante, a qual no passado era visível no corpo do povo (Volk). Sempre que os nossos superintendentes e ministros da Palavra tiverem de dar informação e aconselhamentos aos afetados, declaram-se preparados de todo o coração.
Nas leis de raça vemos um esforço divinamente querido e biblicamente fundado para pureza e para manter puro o povo (Volk) de mistura com raças alheias.
O levar fora dos judeus da comunidade do nosso povo, como também de outros povos, é para nós um processo de acordo com a providência divina e vontade divina.
Não seria justamente para pôr a culpa pela perseguição dos judeus e outras atrocidade nazistas nas cabeças de indivíduos como os meus pais. No entanto, todos de nós como alemães, e especialmente como cristãos, temos de carregar a responsabilidade pelas coisas que foram feitas em nosso nome, sem a oposição dos nossos pais e sem a objeção de cristãos mais cometidos.
Pessoalmente, vivo conscientemente e, para o restante da minha vida, na sombra do assassínio de milhões de judeus. Sempre que esse mal monstruoso chegar na mente, não posso evitar lamentar ao meu Deus, meu Deus! Temos permitido que Teu povo seja assassinado – mais que um milhão de crianças: Meu Deus, as criançinhas, as criancinhas…
Vou suspender o crer num Deus amante? Deveria deixar de crer em Jesus, porque foi feito a parede de inimizade entre judeus e cristãos, em vez de permitir que ela seja derrubada (Ef 2,14)? Deveria converter ao Judaísmo ou deixar religião totalmente? Decidi permanecer fiel aos cometimentos que fez cedo na minha vida a Deus e a Jesus como caminho de Deus para não-judeus virem ao Deus de Israel. Essa fidelidade demanda arrependimento por testemunho falso contra judeus e Judaísmo e outras religiões, requer aprender intensivo e re-pensar de teologia cristã em diálogo com judeus e com outros cristãos.
Tudo isso não é fácil para uma pessoa leiga sem treinamento teológico formal. Mas então, quem disse que a vida, e especialmente a vida de fé, deveria ser fácil!
O que há com a Igreja cristã e o meu relacionamento com a sua tradição e vida? Não posso ser cristão sem fazer parte da Igreja universal em uma dos seus muitos arranjos locais. Repito, repenso, aprendo, estou em diálogo e testemunho como membro da Igreja esperando de fazer a minha parte no reformar dos seus ensinos e atitude referentes ao Judaísmo e o povo judaico. As lideranças oficiais estão lentamente mudando a sua atitude. Mas parece que vá durar gerações para a maioria dos seus membros o conseguirem. Meu Deus nos ajuda para que façamos a nossa mudança coletiva mais rapidamente. Essa será a minha oração em 9 de novembro, quando penso na destruição da pequena sinagoga em Arnswalde.
Fritz Voll
A noite do 9 de novembro de 1938 deixou impressões profundas na minha memória. Tinha oito anos de idade, e era a primeira vez que vi uma casa em chamas. Era também a primeira vez que conscientemente senti a discrepância entre uma propaganda nazista confortante e positiva que ouvimos e lemos cada dia e uma realidade muito sórdida, uma realidade de morte e destruição que desembrulharia bem abertamente.
Naquela noite acordamos para barulhos altos na nossa estreita rua de mão-única, a Rua Georg Buschholz em Answalde, Alemanha, e vi a sinagoga, diagonalmente da nossa casa, em chamas. Realmente nunca noticiáramos que o prédio era uma sinagoga, embora fossemos pelo menos três vezes por semana à sala de assembléia da Igreja justamente a frente da sinagoga. Talvez os adultos sabiam, mas certamente não falavam sobre isso a nós crianças. É que a sinagoga tenha de queimar para ser percebida como o lugar da veneração e aprender judaicos?
Quando fomos para fora, vimos muita gente olhando o fogo. O prédio estava anexado a outros prédios numa fileira de pequenas casas. No tempo em que a sinagoga estava em chamas, os homens da SA [Sturmabteilung = Destacamento de Assalto], que a tinham tochado, já desapareceram. No entanto, as pessoas na rua sabiam que o fog tinha sido posto deliberadamente. Ouvi como os meus pais e outros estavam desconcertados sobre o fato de que o departamento de fogo somente tivera protegido os prédios ao redor e permitiram que o fogo destruíra completamente a sinagoga.
Ouvi também dos meus pais que a sinagoga tivesse sido torchada como ato de violência contra os judeus. Ouvi-os por acaso sussurrando um ao outro que a perseguição dos judeus estivesse somente o começo. Próximos na linha seriam os cristãos “verdadeiros”. Os meus pais eram evangelicais com propensão pentecostal, crendo que somente “crentes renascidos” seriam cristãos verdadeiros. Pessoas nas Igrejas de estado eram consideradas serem cristãos somente pelo nome. Mais tarde, ouvi rumores de palavras de código para o direito de queimar sinagogas e muitas moradias e serviços, “Reichskristallnacht” [Noite de Cristais do Império] (em inglês Night of the Broken Glasses [Noite de Vidros Quebrados]). Nessa conexão, os meus pais mencionaram outra palavra códice para ações violentas a chegar contra cristãos: “Reichssternennacht” (Noite das Estrelas). Nunca estive capaz a acertar, se os nazistas planejaram realmente um evento tal.
Até o tochar da sinagoga não estivera percebendo que havia ainda judeus no redor no nosso tempo. Na escola de domingo e na igreja fomos somente ensinados sobre os judeus do assim chamado Antigo Testamento e sobre aqueles que eram supostamente responsáveis pela morte de Jesus e dos seguidores deste.
Meu pai tinha a sua própria loja de construtor de carruagem na cidade de Arnswalde, Pomerânia, onde ele construía – entre outras coisas – carros de gado e cavalo. Depois da guerra perguntei os meus pais se o meu pai não conhecia algum freguês judaico, comerciante de gado ou cavalo que precisava carros? É que os meus pais conheciam um único judeu? Nunca recebi uma resposta direta. Era somente no fim da década dos setenta que ouvi uma vez me pai dizer pesarosamente: “Porque não salvamos uma única vida judaica?”
Muitas vezes depois dessa noite memorável e terrível, perambulei pela sinagoga destruída pelo fogo e folheei pelos livros tochados com as letras hebraicas. É que perguntei uma vez em casa pelo seu significado? Os meus pais teriam sabido algo sobre a sinagoga e o significado desta para o Judaísmo, se os tivesse perguntado? Porque nós, como crianças cristãs, nunca aprendemos coisa alguma sobre o Judaísmo do nosso próprio tempo? Afinal, não ouvimos cada manhã de domingo sobre judeus e sermões e histórias de crianças e na escola de domingo. Mas de que espécie de judeus ouvimos: fariseus que estavam opostos a Jesus e os quais ele confrontava respondendo com palavras ásperas, saduceus e sacerdotes que o entregaram aos romanos para crucificação. Nunca uma palavra sobre o fato de Jesus mesmo era e permanece judeu, que o Senhor de Igreja ressurgido é judeu, que ele mesmo está suposto de ter dito “salvação vem dos judeus” (tempo presente!) João 4,22.
Aqui tenho de inserir uma experiência do passado mais recente – em 1984, estava trabalhando para o Conselho Canadense de Cristãos e Judeus, quando fui pedido para falar na inauguração duma sinagoga ortodoxa recém-construída. O incidente chamado de Keegstra Affair tivera havido justamente todos os dias nos papeis. O sr. Keegstra, professor de escola secundária, tivera, incontestado por quatorze anos, ensinado aos seus estudantes que os judeus conspiram para derrubar os governos do mundo, e que o Holocausto era uma invenção judaica. Fizera o meu melhor para efetuar um diálogo cristão-judaico na nossa cidade, onde tivemos mais que cem sobreviventes judaicos do Holocausto e muitos que sobreviveram os campos. O jovem rábi da sinagoga ortodoxa era um bom amigo meu, engajando-se ativamente em diálogos na universidade e alhures na cidade. Representantes do governo, o prefeito da cidade de cerca de 700.000 e representantes das escolas e associações judaicas de mais que 300 congregações cristãs na cidade estavam presentes.
Quando era a minha vez de falar, relacionei a história da sinagoga em chamas em Arnswalde. Descrevi os sentimentos esmagadores de gratidão que experimentei no momento. Deus me permitira a testemunhar a consagração duma sinagoga nova – na minha experiência subjetiva construída sobre as ruínas da sinagoga da minha memória. “Os alemães não conseguiram concluir a ‘Solução Final’ dos nazistas. Na face de de dois milênios de anti-judaísmo e anti-semitismo em países cristãos, outra schul [escola] está sendo erigida. Sinal da hutspáh, fidelidade e esperança, convite a cristãos a finalmente encontrarem o seu irmão mais idoso. A tudo isso, todos nós aqui presentes estamos sendo testemunhas,” concluí. O aplauso fulminante que seguiu às minhas breves observações me deixou espantado e numa mistura de dor e alegria. Dor, porque a nova sinagoga construída num país livre nunca poderá reparar uma que foi destruída, e uma congregação judaica lutando pode ser somente uma lembrança fraca das comunidades judaicas na Europa que foram brutalmente destruídas.
Mas então havia também uma alegria. O rábi me abraçou, e o aplauso continuando parecia expressar que um espírito de gratidão no fato de que nada neste mundo está capaz de destruir o que Deus quer e ama.
Nesses momentos senti, pela primeira vez na minha vida, que seria bom ser alemão, se justamente para a chance de despachar essa pequena mensagem ao povo judaico que sofrera tanto no nome e pelas mãos de alemães. Quando pensar sobre as histórias que ouvi de sobreviventes judaicos, surpreendo-me como possa sobreviver como cristão, como a Cristandade possa sobreviver, se não se arrepender do seu anti-judaísmo antigo.
No 50º aniversária da Kristallnacht, em novembro de 1988, foi pedido por estudantes judaicos da universidade da nossa cidade para participar numa discussão de painel sobre os eventos da Kristallnacht e de responder a questões. As questões polidas mas investigadoras das gerações mais jovens de judeus podem agora, cinqüenta anos depois do Holocausto, ser respondidas com alguma precisão histórica e distância objetiva. Mas o quê sobre as questões subjacentes: onde estavam os cristãos da Alemanha? Só muito poucos pelo menos oravam pelos judeus. Durante a minha infância, Durante toda a minha infância nunca ouvi uma única oração pelo povo judaico nas igrejas evangélicas que atendemos. Não os vimos primeiro nas nossas ruas com as suas estrelas amarelas na sua roupa, então as colunas de prisioneiros emaciados trabalhando em estradas de ferro e outros projetos danificados pela guerra? E quando os não mais vimos porque foram enviados às suas mortes nos campos, porque não noticiamos? Onde eram os cristãos “verdadeiros”, aqueles “nascidos outra vez”, e aqueles que não caíram na armadilha dos “de-judaizados”, dos assim chamados “cristãos alemães”?
E onde Deus estava? Deus estava em Auschwitz, onde Jesus estava? Se os concílios primitivos da Igreja e os seus credos estavam certos de que Jesus Cristo é o Deus-homem, a pessoa suscitada com duas naturezas, essa natureza humana não seria judaica? Queria dizer que não só era judeu mas que cristãos confessam o Cristo suscitado como sendo judeu à mão direito de Deus hoje e somente como tal o representante da humanidade perante de Deus? “O que fizestes ao último dos meus irmãos (o povo judaico) é que fizestes a mim.” Jesus está suposto de ter dito. Mas muitos cristãos ainda continuam culpar os judeus por tê-lo matado. Não deveríamos admitir, em vez disso, que Jesus está sendo abusado em cada judeu mal-tratado? Essas são questões que pondero como pessoa leiga sem receber mais que respostas de meio-coração daqueles que o deveriam saber.
As congregações evangelicais em que cresci mais certamente não estavam alinhadas com o estado como as Igrejas protestantes estavam, retamente desde o seu começo na Reforma. No entanto, apesar da sua atitude negativa referente ao estado, as Igrejas de estado, não eram nada menos anti-judaicas. Cada indivíduo tinha de esforçar-se para conseguir um relacionamento pessoal com Deus e apanhar para a sua própria salvação. Mas nessa luta, só Deus será o vencedor, não o crente, mas somente fé chegou a ser o equivalente de obediência, uma obediência que não tinha permissão de questionar Deus ou o estado. Quando alguém chegara a ser um crente, a luta terminou, remanesceu somente submissão à vontade de Deus, a qual se expressava em graça através da Igreja e no julgamento através do estado. O ensino luterano dos dois reinos via o estado como a mão esquerda julgante de Deus, enquanto a Igreja era vista como a graciosa mão direita de Deus. Fé tinha de aceitar esses dois lados do regime divino sem questionar.
Para Lutero, uma revolta ao estado teria sido impensável, até um pecado grave contra Deus. Lutero se virou fortemente contra a revolta de camponeses em 1525, embora também condenou os príncipes, contra os quais os camponeses protestavam, com completamente corruptos. Lutero disse que um cristão possa ser um carrasco expressando a raiva judicial de Deus sobre criminais na sociedade e, ao mesmo tempo, pessoa amante e perdoante na sua vida privada (Paul Althaus: Die Ethik Martin Luthers [A Ética de Martinho Lutero]). Essas duas esferas do mundo tinham de complementar uma a outra.
Em diálogo com judeus, descobri que no Judaísmo ficava sempre uma luta confiante com Deus e um questionar das escrituras e toda autoridade no relato bíblico da luta de Jacó é Jacó que emerge como o vencedor, não Deus. “Fostes forte contra Deus e contra homens e prevaleceste” (Gênesis 32:24-32).
Para mais que 1900 anos, a Cristandade retratou o Judaísmo como legalista e diametralmente oposto à teologia do evangelho cristão. A teologia cristã tinha, desde o século segundo, descrito os judeus como anticristãos, espiritualmente cegados, e teologicamente irrelevantes. Embora os nazistas tinham as suas próprias razões para matar os judeus, certamente aceitaram a imagem cristã de Judaísmo e do povo judaico. Cristãos em geral e especialmente cometidos crentes, (isso é aqueles que tinham um entendimento mais profundo do ensino cristão) eram paralisados durante o Holocausto pela sua própria teologia e não estavam capazes de se levantar contra um estado assassino.
Depois da guerra, li magazines pietistas, baptistas e pentecostais do tempo nazista artigos escritos por líderes desses movimentos, que exortaram os crentes para serem fiéis ao estado alemão e à liderança deste “em tempos duros como este”. Baseavam as suas exortações em referências bíblicas muito semelhantemente a líderes da Igreja luterana o faziam, principalmente em Romanos 13,1 ss., embora nunca foram tão longe como os assim chamados “cristãos alemães” {Deutsche Christen}na glorificação de Hitler e do sistema nazista.
A Igreja pentecostal alemã que os meus pais atendiam com nós crianças era um rebento do movimento de santidade da Inglaterra. O artigo seguinte da constituição dessa Igreja é revisão que foi feita em consentimento com as leis de Nuremberga de 1936, as quais tratavam da eutanásia de vida ‘indigna’, esterilização e pessoas com doenças hereditárias severas e à eliminação de judeus da Alemanha. Essa revisão entrou em efeito em 13 de outubro de 1938, só 27 dias antes da Kristallnacht. Embora igrejas evangelicais aceitem o regime de Hitler como divinamente ordenado, estão muito relutantes para admitir a sua culpabilidade.
Artigo 7
Atitude da Igreja Referente ao Povo (Volk) e o Estado (Reich
Com agradecimento a Deus confessamos que somos, de acordo a Sua providência, membros do povo alemão. A dependência em Deus e a mente de Jesus Cristo nos capacitam para estar com o nosso povo (Volk) com corpo e vida, com possessões e sangue. O suporte energético de todos os esforços públicos do sistema de bem-estar do povo é para nós o dever da nossa consciência cristã.
Honramos e aceitamos a liderança e governo da nação. Em sinceridade prometemos toda lealdade e qualquer obediência, que estamos obrigados a render junto com todos os cristãos à nossas autoridades terrestres de acordo com a vontade de Deus e a palavra e o espírito do nosso Senhor, Maços 12,17; Romanos 13,1-7, 1Tm2,1-4, 1Pedro 2,13-17.
Reconhecemos que está em observância com a ordem do divino Criador, quando a liderança do povo em sabedoria e retidão emite leis e regimentos, as quais estão apropriados a formar um dique contra doenças herdadas incuráveis e contra a miséria resultante, a qual no passado era visível no corpo do povo (Volk). Sempre que os nossos superintendentes e ministros da Palavra tiverem de dar informação e aconselhamentos aos afetados, declaram-se preparados de todo o coração.
Nas leis de raça vemos um esforço divinamente querido e biblicamente fundado para pureza e para manter puro o povo (Volk) de mistura com raças alheias.
O levar fora dos judeus da comunidade do nosso povo, como também de outros povos, é para nós um processo de acordo com a providência divina e vontade divina.
Não seria justamente para pôr a culpa pela perseguição dos judeus e outras atrocidade nazistas nas cabeças de indivíduos como os meus pais. No entanto, todos de nós como alemães, e especialmente como cristãos, temos de carregar a responsabilidade pelas coisas que foram feitas em nosso nome, sem a oposição dos nossos pais e sem a objeção de cristãos mais cometidos.
Pessoalmente, vivo conscientemente e, para o restante da minha vida, na sombra do assassínio de milhões de judeus. Sempre que esse mal monstruoso chegar na mente, não posso evitar lamentar ao meu Deus, meu Deus! Temos permitido que Teu povo seja assassinado – mais que um milhão de crianças: Meu Deus, as criançinhas, as criancinhas…
Vou suspender o crer num Deus amante? Deveria deixar de crer em Jesus, porque foi feito a parede de inimizade entre judeus e cristãos, em vez de permitir que ela seja derrubada (Ef 2,14)? Deveria converter ao Judaísmo ou deixar religião totalmente? Decidi permanecer fiel aos cometimentos que fez cedo na minha vida a Deus e a Jesus como caminho de Deus para não-judeus virem ao Deus de Israel. Essa fidelidade demanda arrependimento por testemunho falso contra judeus e Judaísmo e outras religiões, requer aprender intensivo e re-pensar de teologia cristã em diálogo com judeus e com outros cristãos.
Tudo isso não é fácil para uma pessoa leiga sem treinamento teológico formal. Mas então, quem disse que a vida, e especialmente a vida de fé, deveria ser fácil!
O que há com a Igreja cristã e o meu relacionamento com a sua tradição e vida? Não posso ser cristão sem fazer parte da Igreja universal em uma dos seus muitos arranjos locais. Repito, repenso, aprendo, estou em diálogo e testemunho como membro da Igreja esperando de fazer a minha parte no reformar dos seus ensinos e atitude referentes ao Judaísmo e o povo judaico. As lideranças oficiais estão lentamente mudando a sua atitude. Mas parece que vá durar gerações para a maioria dos seus membros o conseguirem. Meu Deus nos ajuda para que façamos a nossa mudança coletiva mais rapidamente. Essa será a minha oração em 9 de novembro, quando penso na destruição da pequena sinagoga em Arnswalde.
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